Estou de volta. De volta do lugar de onde guardo as melhores recordações das férias da minha infância e de alguma adolescência :)
Agosto era sempre aqui. Durante muitos anos foi aqui.
Nesses verões, enquanto chegavam notícias metereológicas de que o país inteiro suava de tanto calor, aqui era diferente. Havia sempre uma brisa para nos refrescarmos. E todas as manhãs, ao levantar, repetiamos o ritual do dia anterior. Olhavamos o céu e as nuvens pela janela e mediamos a temperatura ora com o braço, ora com a cabeça de fora.
E a verdade é que aquela quase sempre obstinada bruma matinal, fria e húmida, dava um encanto especial a este lugar. Assim como aquele ventinho teimoso que se levantava sem mais nem porquê a meio da manhã ou a meio da tarde, obrigando-nos a sair da praia mais cedo ou a voltar a ela mais tarde.
A baía em maré baixa com a bruma matinal por companhia
Os desenhos feitos pelo mar no areal
Quando o rio Tornada desagua no mar
Estes devaneios metereológicos arranjavam motivos e pretextos para uns ficarem e outros partirem quando chegava o verão e as férias. Eu sabia que as gentes mais medricas trocavam num piscar de olhos a pacatez do lugar pelo reboliço dos algarves, onde o tempo estava sempre a gosto. Vão, vão... vão com deus.
Os que não trocavam este lugar por nada, tinham sempre um plano B na manga quando o tempo não estava de feição. Era preciso estar mesmo bera para não se ir à praia. Na praia havia sempre tanto que fazer, mesmo que o sol andasse tímido. Aqui as férias puxavam por nós, mais do que noutro lugar qualquer. Puxavam à imaginação e à criatividade das brincadeiras e entretenimentos.
Quando o sol afastava totalmente a neblina e estendia os raios de uma ponta à outra da baía, quase sempre um pouco antes da hora do almoço, era um sol diferente que aparecia. Era um sol mais brilhante e luminoso, mais redondo e quente. Mais cheio de verão.
Mesmo em frente à porta do mar
Com o céu aberto muito antes da hora de almoço
Recordo que foi nesta baía, em forma de concha perfeita, que aprendi a nadar e tomei banhos à chuva. Aqui fiz muitos amigos de férias, andei de gaivota pela primeira vez, fui picada por um peixe-aranha e bati verdadeiramente o dente de frio, de tantas horas seguidas que passava nos mergulhos à beira mar.
Alugávamos sempre a mesma barraquinha de pano riscado durante 15 dias. Bem central, ali mesmo em frente ao café Oceano. No final do dia, deixávamos tudo quanto podiamos dentro da nossa casinha de praia, não sem antes selarmos a porta de pano com dois laçarotes de cada lado. E lá ficavam os baldes, as pás, as toalhas, as cadeiras, o colchão insuflável, a bola, as raquetes e mais umas quantas traquitanas para o dia seguinte. Naquela altura ninguém mexia naquilo que não era seu.
Num dos verões, teria eu uns 10 anos, o meu coração derreteu-se pelo filho do dono da pastelaria, onde comia todas as manhãs as melhores e maiores bolas de berlim que tenho memória. Tive outras paixonetas de verão por aqui, mas os olhos azuis daquele rapaz do café Veleiro cravaram-se-me na memória, da mesma forma que se cravou o peixe aranha no meu pé direito.
Vista para a avenida marginal a partir do Cais, junto ao túnel.
Há 25 anos atrás soube do incêndio do Chiado aqui, neste lugar. Acompanhei as notícias e vi as imagens da tragédia na minúscula televisão a preto e branco que levámos de férias connosco.
À noite, depois do jantar, era obrigatório passear pela avenida marginal. Era aí que a animação acontecia e era aí o ponto de encontro de toda a gente com toda a gente. Quando passavámos por uma cabine telefónica davamos notícias ao resto da família. Com tantas novidades para contar, as chamadas terminavam demasiado rápido. Às vezes o pippipi da última moeda gasta já não deixava esvaziar a boca tão cheia de beijinhos.
Aqui aprendi a gostar de pão-de-ló, do pão-de-ló de Alfeizerão que continua a ser o meu preferido.
Quase todas as noites esperávamos como a Cinderela pelas 12 badaladas, não para sair do baile, mas para para ir à padaria, que ficava numa rua por detrás da estação dos comboios. Adorava ver os padeiros tão sabedores do seu ofício, e tão enfarinhados dos pés à cabeça, a fazer o pão e a pô-lo às pazadas no forno, enquanto nós, e mais meia dúzia de pessoas, de pacote de manteiga numa mão e faca na outra, esperavamos com entusiasmo a saída dos primeiros pães quentes. Era ainda na padaria que barravamos o pão a fumegar. E comiamo-lo ali, com jeitinho e de boca aberta não fossemos queimar a língua.
Na estação do comboio
Quinze dias de férias somavam quilómetros de passeios descontraídos na avenida marginal, desde o Cais até Salir do Porto. Era sempre um deleite contornar a baia de manhã, ao entardecer e à noite, enquanto degustava um super maxi ou perna de pau ou cuspia cascas de tremoço ou de pevide.
Ao cair da noite, vista do miradouro de Salir do Porto para a Baía
e para a vila de S. Martinho do Porto
Nunca rebolei tanto numa duna, como na de Salir do Porto. Com tantos metros de altura, aquela duna enchia de alegria adultos e crianças que duna acima, duna abaixo, encontravam motivo de diversão para horas a fio.
Lá ao fundo Salir do Porto e a grande duna
A duna de Salir do Porto, local de recreio para miúdos e graúdos
Em Salir do Porto, junto à baía e às ruínas da velha Alfândega
Infelizmente, e em nome de uma certa ideia de progresso e de futuro, começaram a crescer, a pouco e pouco, como cogumelos, aglomerados de betão por toda a parte, fustigando esta linda estância balnear, outrora tão tranquila e mágica, tão pacata e pitoresca. Agora há muita gente, muita casa, muito turismo.
Porém, quando olho esta praia, esta baía em forma de vieira, faço por me abstrair do presente e volto a sentir uma certa felicidade, um certo estado de graça, que me puxa e me fixa para um daqueles postais ilustrados que costumava enviar para casa, só para ficar com a mais bonita recordação daquelas minhas férias de agosto.